Algemas, só na cama!




Até a metade da adolescência cultivei diários. Sabe aqueles cadernos com cadeado? Tive vários. Todos trancados a chave, mesmo que nada tivessem a esconder. Sempre me atraiu a sensação do proibitivo, o fazer escondido, o "isso não é coisa de menina de família". Achava o máximo ser indecente, subir a saia do uniforme escolar e exibir minhas coxas quando as freiras não estavam olhando, trocar a roupa em frente à porta do vestiário ao notar que a fechadura estava espiando. Não nascemos de um pecado original? Achei originalíssimo. E adotei para o resto da vida.


Minha mãe era chamada a toda hora na escola para "dar um jeito" em mim. Entrava muda, ouvia tudo o que a Irmã tinha a dizer, saía calada. Um dia eu perguntei porque não falava nada: "Cada um com a sua cruz, filha". Nunca soube se ela se referia à freira e à missão ingrata de me endireitar, ou à própria cruz de ter uma filha voluntariosa. Ou ainda se era a mim que se dirigia, ao 'eu-como-eu-era' versus o que 'eu-deveria-ser'. Essa não interferência na minha espontaneidade foi o maior presente que já recebi. Sem cortar-me as asas, deixou-me livre para ser o que sou. Minha essência mais pura é o que hoje voa por aí.


Muitas mulheres anulam-se diante do que os outros vão pensar. Ou dizer. Ceifam suas vontades assim que elas brotam dos poros. Ajustam-se a regras sociais que não têm nada a ver com elas. Entregam seus risos soltos e gemidos altos em troca de recato e reconhecimento. E elas mesmas se reconhecem?

Desfiguram-se. Transformam-se em selvagens domesticadas, espectros sem vida. Porque não lhes é permitida a exuberância do corpo, a desenvoltura do rebolado, a palavra sem julgamento, a livre expressão do orgasmo. É proibido serem o que são, cavalgarem os próprios instintos. Andam feito cavalos urbanos, atreladas a arreios e tapa-olhos, infelizes e com visão limitada, a carregar o fardo da existência. Muitas nem sabem que gostam do mesmo sexo porque nunca lhes foi dada a remota chance de experimentarem. Por que sexo ainda é um tabu?


Não falar de sexo é hipocrisia, não fazer é extinção. Só o Tempo, com a sua sabedoria infinita, tem permissão de nos moldar. O tempo é muito mais do que um escorrer das horas. É ele que está do nosso lado ao cairmos e quando levantamos. Que nos ensina o certo e o errado, não na visão dos homens, mas do ponto de vista das escolhas. Para toda causa há um efeito, mas e se eu gostar da consequência? Ninguém tem o direito de nos ditar o que nos agrada, o que nos faz borbulhar. O machismo, o ostracismo, a difamação são tesouras de poda da essência feminina que não devemos mais admitir, nem estimular. Sabe o que eu faço com uma língua afiada? Você sabe.


É preciso desatar os nós que nos prendem a conceitos e preconceitos. Esticar a corda e, mesmo bamba, andar por ela. É o treino que nos leva à perfeição. O treino é a pergunta: "Quem sou eu?". A perfeição é a resposta. É preciso assumir-se e às próprias preferências. Vamos lá, resgate seus instintos, exerça sua libido, faça o que der na telha. Dê muito e para quem você quiser. Sim, você pode. Você é dona do próprio corpo, dos próprios desejos, pensamentos e ações. "Nada causa mais horror à ordem do que mulheres que lutam e sonham", já disse o revolucionário cubano José Marti. Pois lute e sonhe. Não desista jamais de libertar a si mesma. Algemas, meu bem, só na cama.


Fonte: Bolsa de Mulher

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