Ela é uma mulher e suas áreas intocadas. Você se esquece disso e cumprimenta apenas a mulher. Ela é uma mulher e suas áreas intocadas. Você conversa apenas com a mulher e a convida para jantar. Ela é uma mulher e suas áreas intocadas, mas você leva apenas a mulher para a cama.
Depois de falar do “antes do antes” e da sedução impessoal sem estratégias, vamos agora explorar como nossa imaginação pode moldar nossos corpos e como nosso prazer é limitado ao nosso mundo de significações. Ainda que o discurso sobre as cavernas do feminino seja mais direcionado aos homens, penso que o mesmo vale para as mulheres em relação aos subterrâneos masculinos.
A inevitabilidade do problema
Após o casamento, você percebe que algo nela nunca sequer namorou com você… Ou outro homem percebe antes e começa a olhar e se relacionar justamente com essas áreas intocadas, de onde nasce uma outra mulher: aquela que vai pedir divórcio.Tal movimento é inevitável. Não há como controlar o outro e se assegurar de que você o está contemplando inteiramente. Sempre sobra algo. No entanto, seria melhor se não fôssemos tão vítimas, se pudéssemos chegar até pelo menos algumas áreas intocadas, não por medo de que outro chegue primeiro, mas para melhorar a qualidade da relação.
Na verdade, a profundidade de uma relação aumenta apenas pelo processo de não congelar e de sempre avançar mais um pouco para dentro um do outro, não exatamente pelo sucesso desse movimento ou pela “cobertura” atingida.
Fantasias sexuais femininas
“Eu tenho 22 anos e sou muito tímida, mas minha imaginação não tem nada de tímida.”A fala acima é de Heather, uma das entrevistadas por Nancy Friday no clássico My Secret Garden. Ao ver em detalhe uma série quase infinita de fantasias sexuais femininas, desconfio que talvez o melhor caminho não seja ir diretamente às fantasias, mas ao que as torna possíveis, ou seja, à estranha dinâmica do prazer.
Pensamos que o prazer vem do sexo, não é mesmo? Mas não vem. Você pode perceber isso quando brocha e nenhum estímulo funciona ou quando a relação está ruim e nenhuma massagem com K-Y nos anima. Ora, nunca fomos animados pelo toque, mas por algo que se evidencia pelo toque, como se o toque fosse a expressão de algo e não valesse nada sozinho.
Fantasiar (encenando ou apenas imaginando) com estupro, animais, orgias, cenas específicas… O excitante não é exatamente o conteúdo das fantasias, mas a posição interna que nosso corpo assume. Aliás, pode anotar: se quiser aprender novas posições sexuais, prefira as internas.
Em algumas fantasias, as mulheres são dominadas. Em outras, são conduzidas como meninas aprendizes. Ou fazem algo proibido, errado, sujo, degradante. São agressivas, comandam, batem. Invadidas de surpresa. Ou percorridas com curiosidade, como se fossem um labirinto. Isso para ficar nas fantasias mais simples.
Você pensa que ela está submissa enquanto chupa, mas para ela a sensação talvez seja de poder e dominação. Você pensa que a melhor noite para ela foi aquela em que você ficou como um animal por horas, mas ela se masturba até hoje lembrando de quando você a comeu por trás na escada do shopping, com o cinto da calça batendo sem querer na bunda dela, rápido, sem preliminares, gozando sem avisar.
Ela morre de ciúmes das outras, certo? Mas talvez uma das coisas que mais a excitem seja a imagem de você comendo outra mulher. Ainda que isso nunca seja realizado, é a fantasia que a faz gozar. Pois é, muitas mulheres gozam apenas em imaginar a possibilidade de algo, enquanto a maioria dos homens precisa da concretização. ;-)
O sexo, a fantasia (vivida ou imaginada) e o toque apenas nos excitam porque eles nos permitem vivenciar e expressar uma postura que dificilmente assumimos com intensidade na vida cotidiana ou mesmo nos outros momentos de uma relação. Para os homens, em geral, essa postura é a de mandar, conduzir, olhar, penetrar, atravessar, cortar, avançar, invadir. E para as mulheres tende a ser a de se entregar, se render, se deixar levar, se soltar, se movimentar, receber, dar, abrir – ser olhada, desejada, carregada, tomada, abusada, preenchida.
Mais do que com homens, o feminino se excita com presença, olhar, segurança, imobilidade. Mais do que mulheres, o masculino adora formas, curvas, movimentos. Ele quer mais olhar do que ser olhado. Ela quer (ser) pegada, não tanto pegar.
Para que essa dinâmica seja explorada, não basta transarmos sempre no mesmo contexto de casal. Ou melhor, é interessante que esse contexto não seja restrito, caso contrário vamos reprimir nossas fantasias e nossas possibilidades de prazer. Se a mulher não goza sempre com o namoradinho, por que você se contentaria em ser apenas o namorado durante o sexo?
Em defesa dos contos de fadas
Quero fazer sua mala, algo pequeno. Pegar o que precisa e desaparecer com você, sem rastros. Lua e estrelas vão seguir o carro. Ao chegar no oceano, vamos pegar um barco para o fim do mundo. E quando nossos filhos crescerem o suficiente, vamos ensiná-los a voar.Assim começa a música “You and Me” (Dave Matthews Band). E assim deveria começar uma relação. Não exatamente como humanos que andam em ruas de concreto e ficam 8 horas diárias olhando para pixels oscilantes numa tela, mas como personagens dos filmes que escolhermos para nós.
Sem imaginação, sem vivermos um pouco como extraterrestres, tirando a solidez de fatos e certezas, terminamos presos a um mundo opaco, cinza, sem brilho. De vez em quando, vemos uma figura de Escher, filmes como Wall-E, Up ou Where the wild things are, ou um mestre budista maluco. De vez em quando, sorrimos: “É, talvez o mundo seja mesmo mágico…”. Mas não dura. Não passa da rotina do dia seguinte.
Assim como vimos em Pleasantville ou em Dream for an Insomniac, num mundo cinza não há paixão nem sexo. Tal opacidade restringe nossas conexões de corpo e mente (algo que Espinosa relacionava com felicidade), além de diminuir nosso espaço interno, onde sustentamos vivacidade e também o prazer sexual.
Quanto maior sua matriz de significações, mais mundos você poderá construir e dissolver no minuto seguinte. Se há um segredo para tocar sua mulher de todas as formas, é construir histórias nas quais outras mulheres possíveis encarnem e sejam levadas pela mão para o fim do mundo.
Se viver o amor como um conto de fada é clichê, é piegas, é romantismo excessivo, mais clichê é eliminar os contos de fadas. Quem realmente se livrou da crença no Papai Noel não vê problema em se vestir de um (convenhamos, há coisas que só um Papai Noel faz). Do mesmo modo, podemos abandonar nossa esperança em um único conto de fada – sim, ela ainda existe, pode admitir – e viver vários.
Presenteie sua mulher com bons livros infantis, crie mundos nas quais as fantasias femininas possam aflorar, viva mitos e histórias inventadas a la Big Fish, leia Manoel de Barros e amplie sua matriz de significações até que um email não seja mais um email, uma cama não seja mais uma cama, uma calcinha não seja mais uma calcinha, um K-Y não seja mais um K-Y…
Sua mulher pode ser menininha ou velha, um papo durante uma massagem pode ser uma incursão no escuro do futuro, uma caminhada à noite pela Av. Paulista pode virar 20 anos de relacionamento e ensinar os filhos a voar não é algo tão improvável assim.
Fonte: Não2, Não1